sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Sem Camélia




Tudo é tão diferente.
Hoje, querida, eu encontrei uma fábula urbana
Ela não pode ter nome nem sentido
Ela foi tão insípida quanto novaE eu nem lembro quando algo novo pôde ser insípido,mas foi interessante...
Te liguei pra conversar, mas infelizmente você não pôde
Claro, não discuto com gente mais forte
Seus pais passaram logo depois em minha frente
Mas era 10:59 da noite, complicou
E o Caetano falou que o Jean Paul falou uma coisa super caótica:
Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é
Acabei concordando
Fui no jacaré e não achei nada
Andei na rua com a photógrafa e encontrei o telefone certo
E fui ter com o jacaré momentos etílicos
Lá, claro, nosso amigo Brant, o rapaz do pescoço e o homem tec
E outros muito normais, mas sem nome definido
Saímos de lá e deixei a photógrafa na casa dela
Depois de falar muito sobre a década de 1970,
eu, a photógrafa e nosso amigo Brant migramos
Eles, lá na casa das pessoas sem nome, viraram nuvens de poeira
Eu fiquei olhando e sentindo um gosto amargo na garganta
Fui com eles ao bar e tentei entrar pra tomar um whisky
O bar tava lotado
Pensei: Esse whisky custa vinte minutos tentando comprar
Pensei em você o tempo todo
Quando olhei pro rapaz do pescoço,
Quando olhei pro jacaré...
Mas lembrei mesmo quando fui pro bar onde te vi aquele dia
Joelho, cabeça e ombro em caos interessante
Desisti do bar e voltei pra casa na esperança única de comer um cachorro quente
Quando cheguei ao posto de gasolina não havia cachorro quente
Mas as almas ferviam, fervilhavam
Eles tinham tomado um susto enorme
Caras com revólver assantaram o posto
Eu acabei comendo elmachips
Depois a polícia passou correndo e o dono do posto,
indignado com motoqueiros sem capacete, disparou tiros ao ar
Achei uma bosta
Aposto que se estivesse com você tudo seria bem mais lindo
Penso em você a maior parte do tempo
Talvêz porque você ainda seja uma interrogação
Mas te prometo ser honesto quanto ao meu amor, sempre
Antes que ele vire vinagre
Te falei lá no supermercado que te esperava, lembra?
Pois é...
Cumprí
Te espero até hoje...
Aqui do meu lado.



segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Torpemente sólido


Rasgo a noite em desespero profundo
Chamando os nomes todos do mundo
Pensando que o telefone pode tocar
Nem uma letra de uma canção
Nem um filme na televisão
Podem abrandar a dor que se sente
A noite rasga e tem em mim companhia solitária
Penso que uma coisa rara poderia acontecer
Ou qualquer coisa inútil pra me fazer sorrir
Ou qualquer coisa melhor pra poder vislumbrar um novo dia
Morro de amores e alegria, ódio, tristeza, melancolia
Um sal profundo de poesia me corta
Corta as veias antigamente sérias
E agora o que tenho é só um aperto imenso na garganta
No peito uma lembrança que não quer sair de mim
Indecisões do tamanho do mundo
Um sorriso trancado, guardado e profundo
Parece que a dor quer calar lentamente e se cala dando espaço ao nada
Composto daquilo que espero não encontrar
Meu corpo cala, meu rosto se esbarra na terrível amargura urbana
Canso, enquanto saem de mim pensamentos tortuosos
A minha volta algo de milhares de livros e músicas que não querem me olhar
Que eu não quero prender
Mas assim estão
Acalantados pelo sabor inesperado do som que não vem
Pela loucura exata daquilo que desconhecemos e tememos
Mas sigo torpemente sólido
Diante de mim as teclas me falam que devo parar de me olhar
Esquecer de sangrar ou sangrar até esquecer
Me entorpecer daquilo que deveria enternecer
Suavizar o que deveria amortecer
Quem sabe em uma outra hora tudo se transforma
Forma líquida do olhar parado num firme momento estático
Estaticamente estéril, de uma esterilidade tão fértil que abandona
O choro não vem e não chora
Agora o que tenho é sereno nos olhos
Orvalho no meio do meu deserto
Certamente isso não é nada
Certamente terei tudo o quanto for necessário até sorrir
Enquanto isso não vem conto estrelas
E elas me contam o que não sei decifrar
E num súbito um anjo torto vem ter comigo
E me fala do perigo que é estar vivo
E me ouve e sabe dizer o que devo ouvir
Mas não quero uma chuva de pecados
Nem um temporal de virtudes
Quero o rádio ligado entre duas estações onde o trem não para
Para onde o céu não enegrece
Comovo simplesmente
Pela fome da semente que quer nascer
E pela exata hora que não quero desistir de escrever
Quero bater e gritar, na parede e na sala
Mas tudo se cala e vem um silêncio ensurdecedor
Que soa como sino e me faz suar de febre intensa
Dobro os dias e as folhas de papel
E agora durmo, sereno
Sonho, um sonho viril e pequeno
Amargo e impaciente
Demente, vou seguindo pelas linhas que não sorriem
Durmo, insone sonho
Apenas durmo
Só assim me calo
Calo.

Caridade


Me movo
Apenas no movimento tenho paz
No novo
Um sentimento que ocorre no tempo
E o pai de todos os regaços me atrai plenamente
Me mostra o vento tocando e o medo presente
Me mostra a distância e toda impossibilidade
Morro
E é assim que me movo sereno
Por entre as pálpebras do engano
Na cama do sono na solidão possível
Quando vejo tudo
Quando nada conto
Quando sou o único
Na multidão atônita
Que espera as águas do rio passarem
Vejo meu pai: O Tempo
Transbordando imagens
Revirando armários
Desenterrando defuntos
Emaranhando as raízes
Arrancando as flores
Carregando as sementes
Medo?
Por que devo senti-lo?
Se morro inconcebivelmente sereno
Se vivo incontroladamente em gritos
Se parto precariamente exausto
Se volto inteiramente mudado
Em mim nada ficou intacto
Em nós nada ficará acabado
As letras de amanhã ainda estão por serem escritas
Até lá
Vamos nos embebedar das que temos
Vamos nos arrebentar nas incertezas
Pois é assim que me movo sereno
Quando vejo, conto
Quando nada, o único
Quando sou - atônito
Pequeno caos na multidão
Em mim nada ficou acabado
Em nós nada ficará intacto.

Porta Aberta



Existe uma fronteira que me marca, machuca
Entre os dias que já foram e os dias que virão
Há uma esperança na vida curta de uma rosa que foi cortada
Que se espera bonita, que áspera se faz ao passar dos dias
Noites em guarda no sereno de um calor imenso, ameno, feroz
Por todos nós que aqui estamos e os outros que nunca estarão
Não há nada que volte ou simplesmente recupere
O sangue que se estancou não coagula, se vai
Como as águas desse rio que nunca chegam sem ir e ir novamente
Rezo pelos quatro cantos da casa esperando sua entrada
E não choro quando não a vejo de verde ou de qualquer cor
Não há remédios que amenizem quaisquer dores
Não há sedativos que me façam esperar a cura que não vem
A porta sempre entre aberta e a boca semi-fechada
Nada vem tão gratuito que não se molhe com a chuva
Tão fortuito que não se mate ao ver o que não se mede
Ao medir o que não se vê, nem se toca, nem se espanta
Paralela ao meu desejo jaz uma fome imensa
De imersa saudade que não se compõe e não se dispersa
Nada é dito, nada é falado, nada é dado ou...
E ainda só resta pegar o caminho
Ter nele o que me resta de estrada
Entrar na casa dos fantasmas de outrora agora
Quanto mais faltas fazes mais poesia se multiplica
Pelas veias velhas e frias da distância que ninguém ata
Uma, duas e várias noites em silêncio profundo
Que poderiam desnortear um norte inteiro
Onde esperar é ouro, encontrar é prata, sentir é tudo que nos resta
E a porta que deveria ser de entrada é de fuga alucinada
Alguém foge em silêncio mais que profundo
Que até um grito imundo haveria de calar-se pra ouvir
Os dias se vão inteiros e a porta continua aberta
Valha-me Deus um vento forte para fechá-la por inteiro
Valha-me senhor um desenho pra calar-me sorrateiramente
Que contenha mapas dos desencontros que Sabino não sabia
Que Pessoa não pensava acontecer
Depois dos montes e vales que aqui nos separam
Há vida imaginada andando pelas ruas quentes e frias de um nome
Que não sai da boca-mente-olhos, um escândalo calmo e sereno
Pequeno me vejo, calado e um som de alerta me distrai
É o som da porta se abrindo, gente indo e vindo
Nada tão quente que não seja o suficiente
E tão frio que não se degele simples e mórbido no ventre de quem grita
Não é preciso um aviso
O tempo vai, vem, sempre tem ido
Quando você volta, amor meu perdido?
Quando te perco de novo nas minhas linhas, infindáveis linhas?
Que descansam silenciosamente achando que a porta se abriu
E resignadas se calam no calor do não encontro.